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STF acaba com o Marco Temporal, mas a insegurança jurídica continua

Imagem: reprodução/Cimi/ Anderson Santos

O Supremo Tribunal Federal (STF) colocou um ponto final, ao menos no plano jurídico, na tentativa de restabelecer o marco temporal por lei ordinária, mas deixou aberta uma nova rodada de disputa em Brasília, agora em torno da PEC que leva a tese para o texto constitucional. Com placar de 9 a 1, a Corte derrubou nesta quinta-feira (18.12), o trecho central da Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso, para limitar demarcações às áreas ocupadas ou litigiosas em 5 de outubro de 1988, e fixou prazo de dez anos para que o Executivo conclua todos os processos pendentes de terras indígenas.

Prevaleceu o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, segundo o qual a Constituição não condiciona os direitos originários indígenas à presença física em 1988 e o marco temporal criava uma barreira “de difícil comprovação” para povos expulsos ou removidos ao longo da história. Gilmar foi acompanhado, com maior ou menor extensão, por Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Nunes Marques; só André Mendonça votou pela constitucionalidade da lei, defendendo a legitimidade do Congresso para “superar parcialmente” o entendimento anterior do STF.

Além de rechaçar o marco temporal, o relator propôs um prazo máximo de dez anos para que a União conclua as demarcações pendentes, alegando que, passados mais de 35 anos da Constituição, não é mais possível postergar indefinidamente a solução do tema. Gilmar também considerou inconstitucional a ideia de vedar a ampliação de terras já demarcadas, afirmando que a correção de atos administrativos com “erro grave e insanável” é exigência da própria Constituição. Fachin e Cármen Lúcia, embora contrários ao marco temporal, divergiram em pontos sensíveis: rejeitaram a generalização de indenizações e concessões alternativas a indígenas, que, para eles, só devem aparecer como última opção, e criticaram trechos que condicionavam o usufruto indígena ao “interesse da União”.

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A decisão do Supremo atinge diretamente a aposta do Congresso de revalidar o marco por meio de lei, mas não encerra o embate legislativo. Na véspera do julgamento, o Senado aprovou, por ampla maioria, a PEC 48/2023, que insere a tese diretamente na Constituição e agora aguarda análise da Câmara dos Deputados. A emenda repete o núcleo da lei derrubada: só poderiam ser demarcadas terras ocupadas por povos indígenas na data da promulgação da Carta de 1988, sob o argumento de dar “segurança jurídica” a produtores e investidores.

Na prática, o STF avisou que não aceitará o marco temporal por via infraconstitucional, e o Senado respondeu tentando deslocar a disputa para o patamar das cláusulas constitucionais. Mesmo se o Congresso conseguir aprovar a PEC na Câmara, a tendência apontada por constitucionalistas é de que o novo texto seja submetido novamente ao crivo do Supremo, que poderá avaliar se a mudança reduz de forma inaceitável a proteção de direitos fundamentais – como os direitos originários dos povos indígenas – considerados intangíveis. O resultado provável é mais uma rodada de judicialização e desgaste entre Legislativo e Judiciário, com o agro no meio desse cabo de guerra institucional.

COMO FICA  – No campo, a mensagem é ambígua: de um lado, cai o limite temporal que parte do setor via como forma de “fechar o mapa” das demarcações; de outro, o STF reforça a necessidade de indenização mais clara para ocupantes de boa-fé. O voto do relator consolidou a possibilidade de compensação financeira a produtores que detêm título legítimo e foram colocados nessas áreas pelo próprio Estado, o que é visto por lideranças rurais e pelo Ministério da Agricultura como um avanço em relação a decisões anteriores.

Logo após o julgamento, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou esperar que a decisão final contemple “indenização em dinheiro, com valor venal e à vista” para produtores que venham a ser retirados de propriedades tituladas pelo poder público e destinadas à produção. Na avaliação do ministro, se “o Estado brasileiro pode fazer demarcações a qualquer tempo, independentemente do marco temporal”, também precisa oferecer “compensação legítima” a quem construiu patrimônio e oferta de alimentos em áreas escrituradas pelo próprio Estado e agora perderá a posse. A conta, porém, recairá sobre o Tesouro público – portanto, sobre toda a sociedade –, num momento em que o quadro fiscal já é apertado e a fila de demandas de crédito e renegociação no agro é longa.

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Para o agronegócio, o ponto mais sensível permanece a ausência de um marco temporal ou de outro critério objetivo que fixe um “ponto de corte” claro para as disputas, especialmente em regiões de fronteira agrícola e em áreas com sobreposição de títulos e reivindicações.

Entidades ligadas ao setor já vinham alertando que o vai e vem entre decisões do STF, leis aprovadas e vetos derrubados amplia a sensação de insegurança, inibe investimentos de longo prazo e mantém o produtor em compasso de espera, sem saber se uma área regular hoje pode ser contestada amanhã.

No curto prazo, o que se desenha é um triplo movimento: o Executivo pressionado a acelerar demarcações em até dez anos; o Congresso tentando reintroduzir o marco temporal por emenda; e o STF preservando para si a palavra final sobre qualquer mudança que atinja o núcleo dos direitos indígenas.

Para quem está no campo, isso significa conviver por mais tempo com um ambiente regulatório instável, em que cada avanço em uma frente (indenização, prazos, participação de Estados e municípios) convive com a ausência de um critério temporal que feche de vez a disputa sobre onde termina a terra produtiva e onde começa a terra indígena.

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